quinta-feira, agosto 26, 2004

Relógios

Apeteceu-me pensar a vida sem relógio! E não falo de esquecer-me dele em casa.
Penso num tempo em que não há horas certas, num tempo em que não há falta de tempo! Porque viver num tempo assim, em que o tempo é um contratempo?!

Há sempre qualquer coisa para fazer, trabalhos para acabar, livros para ler, vontade de passear e aquele filme que ainda não fui ver...
E o sol? Meu Deus, o Verão está a acabar!

Isto é que é civilização, a invenção das invenções? Depois de se conhecer não se pode ignorar. Mesmo que naufragasse numa ilha deserta, como Robison Crusoé, e vivesse da caça e recolecção e não das modernas formas de produção (em que tempo é dinheiro) certamente tenderia a marcar os dias no tronco de uma árvore como os prisioneiros fazem no cárcere para ver passar o tempo.

« O relógio não é apenas um meio de acompanhar as horas, mas também de sincronizar as acções dos homens. O relógio, não a máquina a vapor, é o mecanismo fundamental da moderna idade industrial [...] nos primórdios das técnicas modernas surgiu profeticamente a máquina automática de precisão. [...] Nas suas relações com quantidades determináveis de energia, com a padronização, com a acção automática e, finalmente, com o seu próprio produto específico, a cronometragem exacta, o relógio foi a máquina fundamental nas técnicas modernas; e em cada período manteve-se na liderança; marca uma perfeição à qual todas as outras máquinas aspiram»
Mumford, Lewis. 1939. Technics and Civilization, Nova Iorque: Harcourt, Brace, pp.14-15

«Não sabemos quem inventou essa máquina ou onde. [...] O relógio foi a maior realização da engenhosidade mecânica medieval.[...] Finalmente, o relógio proporcionou ordem e controlo nos planos colectivo e pessoal. A sua exibição pública e posse particular lançaram as bases para a autonomia temporal: as pessoas podiam agora coordenar idas e vindas sem imposição superior. (Contrariamente no exército, apenas os oficiais podiam saber as horas). O relógio forneceu os sinais de pontuação para a actividade de grupo, ao mesmo tempo que habilitava os indivíduos a orientarem o seu próprio trabalho ( e o dos outros) com vista ao aumento da produtividade. Com efeito a própria noção de produtividade é um subproduto do relógio: a partir do momento em que se pôde relacionar o desempenho com unidades de tempos uniformes, o trabalho nunca mais foi o mesmo. Passa-se da consciência do tempo do camponês, orientada para a tarefa (uma tarefa após a outra, conforme permitissem o tempo e a luz), e dos afazeres do servidor doméstico (sempre alguma coisa a fazer) para um esforço de maximização do produto por unidade de tempo (tempo é dinheiro).»
Landes, David , A Riqueza e a Pobreza das Nações, Trajectos, Gradiva , pp-52-53

1 comentário:

Anónimo disse...

Já pensaram no que se perdia se não existisse o relógio? Para além de todas essas coisas que as vossas mentes inteligentes já se encontram a cogitar, a mim ocorreu-me, em particular, que já não faria sentido aquela letra: "oh tempo, volta para trás..."