sábado, agosto 21, 2004

Insónias, Divagações, Drogas

Hoje encontrei uma vizinha do prédio onde antes morava.

Curioso! Em miúda sempre vi nela humildade e amabilidade. Não sei se estes distintivos vinham agrafados à imagem que tinha de uma devota católica. Foi com esta vizinha que aprendi a rezar o terço, o acto propriamente dito (lembro-me agora que me esqueci como se faz!). Via-a também preparar o jantar enquanto rezava em uníssono com as vozes da Rádio Renascença- Emissora Católica a missa do entardecer. Diz-me a memória que era a missa das sete, mas ela falha-me tantas vezes que não vale a pena fiarmo-nos.

Recordo-me de ver esta vizinha sempre de preto: lutos prolongados, próprios de alguns costumes da Beira Interior, onde fica a sua terra natal.

Eu chamaria a esta senhora conservadora. Para além dos traços que já referi, noto, agora, que baixa o tom de voz quando usa palavras como “droga”, “sida”, “pretos”. Estas são as que recordo ou que consigo sequer ouvir. Serão as que considera pecado pronunciar? Tento perceber e volto às categorias: preconceito.

Retomando a conversa: nos breves momentos que falámos, essencialmente sobre saúde de familiares e relativos, falou-me várias vezes dos comprimidos que tomava: “eu só durmo se tomar comprimidos para dormir” e percebi que isto funcionava como um marco no seu fuso horário, assim como um meridiano de Greenwich que em vez de dividir o tempo entre espaços divide o tempo em tempos: o antes e o depois. Assim “antes de tomar o comprimido para dormir ainda ouvi barulho na escada” e “depois de tomar o comprimido adormeço completamente e já nada me acorda”.

Bem, fiquei impressionada! Nunca me tinha passado pela cabeça que a minha ex vizinha é uma junkie. O que a distingue dos “drógados” a quem ela se refere em voz baixa?

Esta conversa porque passei a noite sem dormir, em divagações, a ver coisas na net que amanhã nem sequer vou lembrar!

Devia ter perguntado à minha vizinha quais os comprimidos que toma para dormir. Ela disse-me que ia de férias. Talvez me diga quando voltar.

E por falar em comprimidos deixo-vos uma notícia curiosa que vi no Público. E não, não foi no “Inimigo Público”:

O facto conta-se em duas palavras: a Environment Agency do Reino Unido constatou que a água potável que os britânicos andam a beber contém pequenas quantidades de Prozac, a famosa droga antidepressiva. Aparentemente, isso deve-se ao facto de o consumo da droga estar a aumentar de forma acentuada e de os seus utilizadores excretarem parte do medicamento sem este ser metabolizado.

Essas moléculas vão dar aos esgotos e, depois de passarem pelas estações de tratamento, tornam a entrar no sistema hídrico, a partir de onde reentram no sistema de recolha e distribuição de água a domicílio, para chegar às torneiras. O tratamento dos esgotos deveria eliminar todos os resíduos de Prozac, mas não é isso que acontece. Segundo a Inspecção da Água Potável do Reino Unido (Drinking Water Inspectorate) a quantidade de Prozac presente na água é por enquanto demasiado pequena para fazer efeito. Porém, considerando que os antidepressivos são um dos grupos de medicamentos onde o consumo mais cresce (no Reino Unido e em Portugal), é evidente que a concentração irá crescer. A própria Environment Agency mostra-se preocupada com o facto pois, se a quantidade ingerida é pequena, a verdade é que a administração é contínua e ninguém sabe quais poderão ser os efeitos. Os democratas liberais dizem que se trata de uma "administração maciça e encoberta de medicamentos" à população e os ambientalistas também entraram em histeria (sinal de que não estarão a beber água suficiente), mas onde tantos vêem razões para alarme não há motivo para nós não vislumbrarmos uma oportunidade.
(continua)

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