Bem... A Promethea lançou uma deixa (ver post sobre as pontes de Paris) que não posso deixar passar em branco. A da tolerância francesa. Penso que se referia à proibição do uso do véu islâmico nas escolas francesas. Confesso que até há pouco tempo eu era partidário do uso do véu e de qualquer tipo de vestuário ou sinal distintivo com o qual o individuo se quisesse distinguir ou identificar, porque era pela tolerância e liberdade de escolha e expressão. Continuo a sê-lo e só lendo alguns artigos e opiniões de professores, políticos e jornalistas consegui perceber o porquê da proibição e a unanimidade expressa pelos políticos franceses em relação ao assunto. Mudei claramente de opinião ao ler uns artigos de jornais sobre o assunto e falar com alguns amigos que me convenceram que estava errado. Isto não tem nada a ver com direita e esquerda, mais ou menos conservadorismo... etc... Percebi que afinal o uso do véu não era sinónimo de escolha e liberdade.
Penso que é um bom tema de debate para o nosso blog.
Penso que laicidade não é tolerância para tudo, sobretudo ser tolerante pela falta de liberdade. Que liberdade tem uma menina de 12 anos, que vai à escola com outros meninos e cujos pais a obrigam a usar o véu, sem ela perceber porquê ou para quê? Que chega a cantina e é obrigada a usar o véu para comer sob o olhar dos outros meninos que a vêm como algo de anormal? Não deve ser a escola promotora da liberdade de expressão e de escolha? Até onde é capaz de ir o ensino da liberdade perante numa relação de forças com fanatismo e opressão? O véu islâmico é o símbolo da discriminação e da subjugação da mulher, não é símbolo de liberdade e de igualdade entre o homem e a mulher. Não venham dizer que a lei não seria necessária e que as jovens teriam poder de escolha se a escola as instruisse para tal. Há raparigas em França que em certos bairros se não usarem o véu são apedrejadas... Que liberdade têm elas de não usar o véu na escola entre crianças do mesmo bairro? A escola Laíca deseja que o regime das afirmações de diferenças seja compatível com o universalismo dos direitos e uma liberdade reconhecida a cada qual de se definir, de se redefinir, sem ter que se submeter à obediência de um grupo. A França não é um país de fanatismo onde devem criar raizes grupos que não reconhecem a liberdade da mulher em aprender a ser quem quiser ser. Não estamos a falar da proibição do uso do véu na rua, na mesquita, em casa... Estamos a falar da proibição do uso nas escolas, lugar de aprendizagem, laíco e de liberdade, lugar de formação do indíviduo. Não lugar de opressão. Não se trata de racismo religioso, o que não falta em França é liberdade religiosa... mas daí até fanatismo.
Lanço o debate... espero respostas, talvez cheguemos a uma conclusão.
6 comentários:
Penso que poderia ser uma posição intermédia interessante. A questão da posição da mulher na sociedade francesa e o uso do véu fica ainda por debater... qual o significado da utilização do véu...?
Aqui fica um texto para reflexão
L'histoire du voile islamique
C'est au temps du prophète, Aïcha, sa femme, raconte lors du récit de la calomnie l'histoire suivante : "Alors qu'elle était assise, elle fut gagnée par le sommeil et s'endormit. Pendant ce temps, Safwan ibn Al-Mu'attal, qui restait en retrait par rapport à l'armée, arriva près de l'endroit où dormait Aïcha. Il vit une forme humaine et s'approcha. Il la reconnut car il avait vu son visage avant l'obligation du voile sur celui-ci. Il prononça alors une formule que l'on dit en cas de malheur, ceci la réveilla, elle cacha alors immédiatement son visage avec son voile."
Quelqu'un d'autre raconte qu'il fallait dissimuler son visage par rapport aux hommes quand on était en état de sacralisation pour le pélerinage. A l'époque du prophète, c'était simplement le corps qu'il fallait voiler.
Pendant le pélerinage en l'an 10 de l'hégire, lors de la journée du sacrifice à Minâ, le prophète s'était installé sur son cheval pour répondre aux questions que les gens venaient lui poser. Le prophète était avec son cousin. Une femme vint poser une question au prophète. La beauté de cette femme plut alors au cousin, le prophète détourna son visage de l'autre côté.
Cette anécdote prouve que cette femme ne portait pas le voile du visage, par contre, on pourrait penser que la femme était en état de sacralisation, cependant, ce n'était pas le cas.
Des savants musulmans expliquent que le port du voile du visage était obligatoire pour les épouses du prophète, mais n'était que recommandé pour les autres musulmanes. Devant tout homme qui n'est ni leur mari, ni leur proche parent, il est obligatoire de se couvrir le corps sauf le visage et les mains.
Un homme peut regarder le visage d'une femme que s'il n'éprouve pas d'attirance, au contraire, s'il éprouve de l'attirance, il lui est interdit de regarder le visage d'une femme (à part son épouse).
Enfin, les sources musulmanes ont pas déclaré que le port du voile pour les musulmanes, autres que les épouses du prophète, était obligatoire. Cependant, aujourd'hui, la situation de décadence spirituelle demande à ce que les femmes, par avis juridique se basant sur les principes des sources musulmanes, déclarent obligatoire par mesure de précaution le port du voile sur le visage.
En conclusion, les sources musulmanes ont rendu obligatoire pour la musulmane (sauf exception) de couvrir son corps, sauf son visage et ses mains, devant tout homme qui n'est pas un proche parent avec qui elle ne peut jamais se marier.
Não estou suficientemente informada sobre o alcance da lei para poder apresentar uma opinião com mais propriedade, mas, não posso deixar de dar umas bicadas no assunto.
Tomo por certo que é, a partir de hoje, proibido o uso do véu nas escolas.
Por essa ordem de ideias, é razoável admitir que é proibido o uso de toda e qualquer indumentária ou ostentação de símbolos que possam ser conotados com quaisquer opções confessionais e, nessa medida, comprometer a concepção laica de escola.
O frater caerulus perguntava-se hoje cedo se um aluno poderá levar uma máscara de gás colocada no rosto. Ora vejamos: não tendo a máscara qualquer conotação religiosa, o seu uso não vai comprometer o projecto laico de um estado de direito, democrático e esclarecido, que tem a cidadania, a tolerância, a harmonia entre povos, o respeito pelas liberdades individuais e pela diferença num quadro de igualdade de direitos e deveres como princípios fundamentais a promover!
(Continua)
Se não houvesse a conotação religiosa do véu há muito que qualquer professor em frança com bom senso teria dito que o véu não era autorizado na sua sala de aula, tal como a mascára a que te referes. A Lei surgiu porque alguns professores o tentaram fazer apelando à laicidade do Estado e nas escolas. Se a história da máscara acontecesse seria por irresponsabilidade dos pais ou dos professores. Quanto ao aspecto religioso, sejam muçulmanos, cristãos, judeus... etc... a lei aplica-se a todas aos simbolos religiosos usados de forma ostensiva.
Lembro-me na escola primária aqui em Portugal existir uma imagem de nossa senhora por trás da secretária da professora, para a qual, no principio de cada aula tinhamos que olhar e rezar em voz alta com a professora. Símbolos religiosos que desapareceram das nossas escolas e ainda bem.
Volto a salientar que estamos a falar de jovens menores e saliento igualmente que essa lei, para além de ser revista anualmente, não se aplica ao ensino superior.
Aqui fica o texto da lei.
ARTICLE 1er: Dans les écoles, les collèges et les lycées publics, le port de signes ou tenues par lesquels les élèves manifestent ostensiblement une appartenance religieuse est interdit. Le règlement intérieur rappelle que la mise en oeuvre d'une procédure disciplinaire est précédée d'un dialogue avec l'élève.
ARTICLE 2: La présente loi est applicable aussi: 1° Dans les Îles de Wallis et Futuna; 2° Dans la collectivité départementale de Mayotte; 3° En Nouvelle-Calédonie, dans les établissements publics d'enseignement du second degré relevant de la compétence de l'État.
ARTICLE 3: Les dispositions de la présente loi entrent en vigueur à compter de la rentrée de l'année scolaire qui suit sa publication.
ARTICLE 4: Les dispositions de la présente loi font l'objet d'une évaluation un an après son entrée en vigueur.
Usar o véu ou não usar?
Realmente, como diz Aloysius, o que vestimos é uma exteriorização da nossa identidade social. Mas há tantas formas de a abafar. A pressão social não é também isso, julgar alguém pelo seu estilo de roupa, pela sua aparência? Todos os dias essa identidade pode ser amordaçada, há restrições nas indumentárias que parecem tão, ou mais, desnecessárias que impedir alguém de usar um véu numa sala de aula. Na questão do véu ainda me ocorre a possibilidade de se tentarem banir formas de diferenciação social ( A seguir aos atentados do 11 de Setembro vários sikh foram chamados de talibã, devido ao uso do “turbante”). Mas qual a utilidade de uma gravata numa relação profissional? E as calças de ganga, tornam o empregado mais incompetente? Se eu pagar para ir almoçar a um hotel porque não posso ir de chinelos e calções? Sei que estas restrições não são proibitivas, são sociais. Podemos sempre mudar de emprego porque queremos continuar ser nós mesmos, a ter o nosso estilo. Mas o certo é que não nos opomos a essas normas.
Agora as leis, essas têm o peso político! Encerram a proibição!
Sou a favor das liberdades de expressão (culturais, religiosas, políticas). Mas se este debate resultar numa sondagem de “ a favor” e “contra” não sei de que lado fico. É estranho, mas tenho dificuldades em me posicionar quanto a esta questão. Talvez se pertencesse ao governo francês (ou a outro) não propusesse ou votasse esta lei, mas não posso deixar de achar que há um grande aproveitamento político da questão do véu.
Os filhos dos imigrantes e as questões de identidade não estão dissociadas. Não me parece estranho que seja difícil para uma criança muçulmana brincar na escola com outro meninos e ter que usar um véu. Provavelmente ela não escolheu usá-lo! Mas também não me parece difícil imaginar que sente constrangimento por não o usar!
Em Julho terminei uma pós graduação “Migrações, Etnicidade e Racismo”. Em algumas sessões ligadas à religião em processos migratórios, e no caso específico dos muçulmanos, discutiram-se casos muito interessantes como o uso do véu. Alguns estudiosos da comunidade muçulmana acham que o seu uso, por parte das jovens, é uma forma de afirmação de identidade social que pode ser usada como reivindicação. Por vezes, essas raparigas descendem de famílias em que as mães lutaram pela liberdade de não o usar e agora, frustradas, vêm as filhas a lutar pelo seu uso.
Quanto ao contexto escolar, até muito tarde o conceito predominante foi o de educação multicultural. A expressão refere-se a práticas pedagógicas destinadas a uma pluralidade ou multiplicidade de culturas coexistindo no mesmo espaço escolar. A noção de interculturalidade, que se vem a generalizar mais tarde, prevê, para além da coexistência de culturas, a interacção das mesmas. Enquanto que a perspectiva multicultural valoriza a preservação das identidades, levando muitas vezes à “guetização” dos grupos minoritários, a perspectiva intercultural valoriza a importância, o enriquecimento da troca de experiências e de saberes. A educação intercultural deve ter em conta que a discriminação racial na sociedade se prolonga para a escola e se agrava, quando no seu contexto não são desenvolvidas estratégias deliberadas para a atenuar.
Sou definitivamente pela perspectiva intercultural... Acho que sou pelo véu nas escolas. Mas agora, dêem-me a vossa opinião. Se devo ser pelo uso do véu na escola, como forma de manifestação religiosa ou cultural, não devíamos promover turmas só para raparigas ciganas que a partir dos 12 anos (regra geral) são forçadas a abandonar a escola pois não podem conviver mais com os rapazes? Esse abandono escolar, contra o qual o sistema educativo tem vindo a lutar não decorre de uma manifestação cultural?
Os meus dois cêntimos:
É hipocrisia que tenha sido feita esta lei 'generalista' quando é bem sabido que o que está em causa é o véu islâmico. Um mau começo.
A vestimenta dos cidadãos é parte da esfera privada destes e não da esfera pública gerida pelo Estado.
Duvido que a liberdade das miúdas em causa fique melhor servida com as escolas islâmicas privadas que surgirão em consequência desta lei.
mais uma acha:
Camisolas do Che, gravatas, alfinetes punk ou calças de ganga. Todos símbolos de qualquer coisa ou coisa nenhuma.
E se usar véu, ou lenço (como ouvi um muçulmano referir-se-lhe hoje de manhã) fosse moda?
O que está em causa é a liberdade de escolha, mas este valor que não sai reforçado com esta lei que sobrevaloriza a autoridade face à responsabilização individual.
Também é ambíguo o argumento que apela à defesa do estatuto da mulher. Não estaremos nós a castrar a sua liberdade individual em nome do seu pretenso interesse geral?
Até onde estamos dispostos a ir em defesa de uma estado democrático e laico? Onde termina a neutralidade e começa o etnocentrismo em matéria de manifestações culturais? Como separar o cariz cultural do religioso no que respeita ao vestuário?
A questão não é de facto fácil.
Tenho por certa a defesa da liberdade individual, recorrendo, se for caso disso a disposições legais que salvaguardar a integridade do indivíduo face a condicionalismos que lhe possam ser impostos. Mas que tal não seja feito à custa da limitação do livre exercício dos seus direitos individuais, como a proibição do uso do véu parece ser.
Alguém disse, e é adequado, qualquer coisa do tipo “as democracias não podem e não devem constituir-se como ditaduras de maiorias legitimadas pelo voto”.
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