segunda-feira, setembro 06, 2004

Anamnese

Perdi o esquecimento ao visitar hoje os meus pais: o que admiro nos apartamentos antigos, sobretudo lisboetas, que os meus amigos alugam e vou visitando é a possibilidade de neles revisitar o espaço da minha infância. Isto parece misterioso na medida em que cresci nos subúrbios. Suspeito que o efeito nostálgico beneficia, para além de marcas do tempo tais como o estilo dos utensílios de cozinha ou dos azulejos, do pé direito mais alto que caracteriza os edifícios mais antigos: sinto-me decrescer na medida em que aumenta a minha distância ao tecto. Nessas casas apresenta-se-me a oportunidade maravilhosa de ser de novo pequeno. Por muito que viva sem remorsos é inegável o glamour da infância. A infância é cinemascope e technicolor. A infância ou é a preto-e-branco ou tem as cores de fotografias dos anos setenta.

Dias atrás tinha constatado o mesmo de outra forma: estar sentado no chão de um espaço que usualmente se frui (?) de pé ou sentado numa cadeira é algo que transfigura e reencanta esse mesmo espaço. Tentei-o no local de trabalho e comparo-o com vantagem ao simples correr nú pelos corredores, que experimentei há uns anos.

Enfim, nem só de se escrever em público vive o exibicionista.

2 comentários:

Frater Caerulus disse...

Nope...no glamour, but a lot of fantasie and action instead. Let's put it this way: it would make a great script for Spike Lee...

Frater Caerulus disse...

Horroriza-me a capa de concreto que reveste o solo. A paisagem do passado está irremediavelmente perdida. Há dias escutei alguém dizer que o esquema de financiamento dos municípios tem uma relação de dependência estrutural com a urbanização. Que isto seria das regras formais, sem aldrabices.

Não tenho qualquer fé no litoral. Por vezes, dou comigo a fantasiar cenários pós apocalípticos com a natureza a reclamar as estruturas deixadas vagas pelo recuo da maré humana. Misantropia pura e dura. Noutras ocasiões, ponho-me a especular como estará o preço do terreno em Castelo de Vide e como poderia pegar nas partes boas do meu estilo de vida e transplantar-me para lá. Igualmente vãos estes usos do neurónio.