segunda-feira, agosto 30, 1999

Não discurso mas ritmo. Palavras como tambores e dentes que rasgam a carne de um inimigo. O som de anjos que se despenham na fossa abissal: os tambores de Mória.

quarta-feira, agosto 11, 1999

Quando éramos putos moviamo-nos num espaço mais limitado mas viviamo-lo com uma intensidade à qual nos tornámos estranhos. Hoje aconteceu-me ficar sentado num automóvel à espera de algumas pessoas e tornou-se-me evidente o que se perdeu: movo-me sobre uma área muito maior do que quando criança mas sou praticamente impenetrável aos seus significados. Caerulus, o adulto, foi espoliado do tesouro de maneiras de ver que fazia a alegria de Caerulus, a criança. E nisso é cumplíce a par de vítima.

terça-feira, julho 06, 1999

Dia soturno. MGM encontrado no metro. Uma luz do passado. Por isso escrevo.

A sociologia, como arte derivativa que é, não cria, regurgita. Podemos encontrar o seu produto em poças nas carruagens dos comboios ou entupindo os urinóis dos bares nas sextas à noite.

quinta-feira, julho 01, 1999

Querer aquilo que me é reconhecido como legítimo querer; querer aquilo que é esperado que queira não é querer o suficiente. Há que fazer descarrilar a volição de forma a que ela nos leve por outros caminhos que não o de casa para o trabalho, do trabalho para o shopping ou deste para o aeroporto de onde se parte para ser fotografado frente a um monumento numa capital estrangeira.

As nossas vidas seguem irreflectidamente por corredores estreitos do seu verdadeiro espaço de potencialidades, que é infinitamente expansível pelo exercício da criatividade. Ironicamente, os 'deviantes' do Truques não merecem um título tão nobre; o seu condicionamento volitivo leva-os por trilhos bem conhecidos, isto é, normais embora negativamente sancionados. Há que reaprender a desejar.

segunda-feira, junho 28, 1999

Por um momento tudo me parece correcto; sereno; claro. As cores e texturas fazem sentido; o sabor do chá com leite também. A forma como a luz se derrama pelo teclado. Não sei que prodígio é este mas não o quero deixar escapar. Temo contudo estreitá-lo demasiado avidamente. Posso estrangulá-lo.

Percebo que estou fechado para muito daquilo que tem feito a minha vida válida. Não sou só o sujeito de uma degradação física mas também, e principalmente, o sujeito de uma degradação vital, anímica.

quarta-feira, março 24, 1999

Sou um hieroglifo tetradimensional que espera ser decifrado. Como qualquer outro símbolo não tenho significado independente da leitura que de mim seja feita. Aguardo a pedra de roseta que me desencripte; (...).

terça-feira, fevereiro 09, 1999

A ventoinha do computador oprime-me; o seu som ecoa uma submissão com a qual comprei demasiado pouco. É esse o problema de vender a alma ao Diabo. Como quer que seja, é-se sempre aldrabado.

Escrever com caneta é como que uma lufada de ar fresco num quarto onde jazeu demasiado tempo uma pessoa doente. Esse alguém poderia ser talvez uma personificação da minha criatividade: débil, irregular e esperançadamente convalescente.

Para quebrar a inércia obriguei-me a ir ver ao jornal qual a data precisa desta entrada.

A minha excelentíssima amiga MMAMM telefonou-me agora mesmo. Quer a minha ajuda para ultimar o (...).

Sinto-me estranhamente sereno.

sábado, janeiro 02, 1999

Interpreto-me como um apolíneo que, por amor ou amizade, faz demasiadas concessões a Dioniso. Condição que se agrava na minha identidade de lobo das estepes. Hoje soube dizer não com elegância e firmeza.