A noite é longa;
Habitam-na fantasmas e fogos fátuos.
A mim, habita-me o espectro do eu por cumprir.
Ele veio cortejar a insónia
Nos salões da minha solidão
Onde ecoa dolorosamente o cinzel
Com o qual um demónio grava
O teu rosto na minha alma
Como uma tatuagem bárbara
Em pele sensível.
Terrível imagem, o teu rosto.
Já a sua intensidade ameaça submergir-me
E a minha consciência é uma barca frágil
À mercê do vórtice de imaginar-te
Quando para exorcizar a tua face
(loucura - a tua face!),
Quando para a exorcizar resolvo esboçá-la neste poema;
Tento lavá-la de mim a tinta permanente
Para que depois a possa trancar numa gaveta
E navegar a calmaria de um sono sem sonhos.
Eis pois a forma que roda
(antes fora imunda e grossa,
pois menor seria o seu poder) no meu espírito:
Olhos negros e líquidos, famintos de horizonte.
Quem sabe se de infinito?
Orelha furada como a de um pirata,
Não como a de uma cortesã.
Rosto onde pairam melancolias aladas
Sobre uma alegria feroz
Como o reflexo do sol nas águas.
Voz salgada como o canto de uma sereia
E lábios de coral polido
Que se entreabrem para revelar o brilho
De uma dupla fileira de pérolas.
Maria é o Mar.
… ou, pelo menos, eu aqui traço linhas
Que se podem ler como uma alegoria do Mar…
E então vem, brutalmente,
Como uma onda que me arrastasse para o fundo
A consciência do que realmente estou dizendo:
Os fantasmas que pairam na minha noite íntima
São sombras de uma só ideia:
Invoco o Mar como espaço da verdadeira vida
E tomo-te por símbolo de uma realidade que me cumprisse…
Ainda assim vou enviar-te este poema
Que diz que nunca te vi como sejas
Mas apenas como me serviria que fosses
Porque fazê-lo, fazer alguma coisa,
Se parecerá mais com cumprir-me
Do que amarrotá-lo e deitar-me ao lixo.
Arremesso esta garrafa às ondas
E sento-me na praia.
Olho o horizonte.
Penso em ti.
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