Fui abordado há dois dias por um indivíduo que me pareceu ser um cigano romeno. Tentou vender-me o almanaque Borda d'Água. Agradeci e recusei. E foi aí que algo aconteceu. Ainda no mesmo tom de voz - coloquial, público - perguntou-me se me poderia perguntar uma coisa. Que sim, claro. Mudou o tom de voz - mais baixo, ínimo, envergonhado e confidente - e disse-me que tinha fome. Se eu lhe podia dar 50 cêntimos para um bolo. Nem pensei: dei-lhe logo dinheiro.
Este episódio foi para mim um confronto directo com uma proficiência que nunca supus existir na mendicidade. O indivíduo com que me confrontei era um autêntico monge shaolin da mendicância. Há certamente uma aprendizagem enorme por trás disto. E reflexão: deve haver conclaves secretos nos quais os mestres discutem eventuais aperfeiçoamentos das técnicas milenares.
O acontecimento recordou-me de que a vida é assim: profundidades escondidas a cada passo; mistério e assombro por todo o lado. Excepto no escritório.
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